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Afroempreendedorismo: foco além dos ganhos financeiros

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Negócios
Célio Rineiro

Há cerca de 10 anos, a atriz e apresentadora Maria Gal já tinha experiência nos palcos, atuando em peças em todo o Brasil e também na Europa. Com bagagem, resolveu fazer um teste para uma peça de teatro. Chegou até a última etapa da seleção, mas foi desclassificada após o diretor afirmar que “seu tom de pele era menos comercial que o da concorrente“. A raiva e a dor que todo mundo sentiria em uma situação dessas se transformaram em ação, e, naquele momento, Maria Gal decidiu contribuir com a representatividade empreendendo.  

Mas se ela pensou que encontraria um ambiente mais favorável, os dados mostram que não. Dados de pesquisas da RD Station, Inventivos, Black Money e Sebrae mostram que os empreendedores negros enfrentam mais dificuldades que os empresários em geral. Os principais problemas são a falta de faturamento em quase metade dos negócios (48,6%) e a inadimplência maior se comparada à dos empresários brancos (35% contra 27%).  

Criada em 2010, a Maria Produtora atuava apenas com teatro. Em 2017, passou a trabalhar também na produção audiovisual. Entre trabalhos para Intel, Nissan, Gerdau e outras empresas, o maior sucesso veio com “Preto no Branco”, talk show transmitido em 2022 pela BandNews e assistido por milhões de pessoas em todo o Brasil. A experiência como CEO da Maria Produtora transcende a questão monetária. 

“O afroempreendedorismo surge como uma alternativa para que pessoas negras possam ganhar dinheiro, mas também uma forma de irem atrás de sua liberdade e conquistarem espaços, ampliando oportunidades de empregos para a população negra. Não necessariamente comercializamos produtos que tenham os valores e a cultura negra como essência, mas sim a sociedade como um todo e nos mais variados segmentos do mercado.” 

Empreender para atender o mercado 

Executiva de multinacionais durante quase 30 anos, Adriana Cavalcanti decidiu empreender e, para isso, começou a fazer mentoria com outras empresárias. Procurando por oportunidades de negócio no universo feminino, descobriu que as tranças movimentam, e muito, o mercado financeiro, mas também percebeu que a atividade não contava com suporte e matérias-primas de qualidade, 

“Eu, como mulher branca, nem sabia que existia a profissão de trancista, um trabalho que sustenta centenas, milhares de famílias periféricas. Eu não conhecia a profissão e ela também não é reconhecida em feiras de beleza, por exemplo. Essas mulheres precisam se ver como empreendedoras e entender que um produto de qualidade faz diferença.” 

Fundada em 2021 por Adriana Cavalcanti, a Ginga Hair é a primeira fábrica de fibras sintéticas premium para cabelos do país. A empresária conta que, até então, as trancistas tinham a opção de usar materiais importados (mais caros) ou os fabricados no Brasil com prolipopileno, material que machuca a mão das profissionais que passam horas trabalhando nos cabelos das clientes. 

Quem também viu no mercado uma oportunidade para empreender foi Rodrigo Faustino. Em 2008, o consultor percebeu que muitas pessoas negras graduadas não conseguiam um emprego por não falarem inglês. Assim surgiu a Ebony English, uma escola para pessoas que precisam aprender o idioma mas não encontravam valores acessíveis no mercado nem se viam representadas nos cursos. 

A CEO da empresa e pesquisadora da Diáspora Africana, Marta Celestino, explica que as conversas sobre racismo e desigualdade no mercado “não eram nem embrionárias” quando a Ebony English foi fundada, mas sempre esteve presente dentro da comunidade negra. Segundo Marta, o afroempreendedorismo está presente no DNA do continente africano e fortalece uma população que convive diariamente com o racismo. 

“A importância do afroempreendedorismo diz mais respeito à ideia de o empreendedor saber como valorizar seus produtos e fazer seu negócio crescer do que empreender verdadeiramente. Estamos num país onde o racismo estrutural é forte, e isso impacta em todas as frentes dentro dos negócios criados e geridos por pessoas negras.”

Atenção ao planejamento 

Mais de 40% dos afroempreendedores que participaram do estudo da RD Station apontaram que a dificuldade do acesso ao crédito é o principal desafio enfrentado por eles. Apesar de os processos de empréstimo estarem cada vez mais virtuais, dados como CEP e faturamento mensal podem operar como “marcadores étnicos“, dificultado o acesso ao crédito para empreendedores menores e moradores de áreas periféricas.  

Outro dado que chama a atenção no estudo é o fato de que, apesar de quase 62% dos afroempreendedores terem nível superior, apenas 15,8% possuem renda familiar superior a seis salários mínimos.

Professora de Economia do Ibmec-RJ (Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais), Gecilda Esteves reconhece que o preconceito é uma barreira gigantesca no caminho do empreendedores negros. Mas ela aponta uma outra questão que, por ser deixada de lado, acaba atrapalhando e muito a vida dos empresários, principalmente os menores: é o desconhecimento em gestão.  

“A gente precisa desmistificar essa ideia de que o profissional de nível superior entende de gestão. As pessoas são focadas no sonho, no objeto de trabalho dela, e não dão a atenção devida ao planejamento. Apostar só no marketing digital e esquecer do resto também é outro grande erro. Ninguém cresce com o “eu equipe”, jogando em todas as posições. É preciso ter alguém pensando no negócio, na dor do meu cliente e no diferencial que eu posso apresentar.” 

Para a especialista do Ibmec-RJ, o empresariado brasileiro, especialmente aqueles relacionados a nano, micro e pequenas empresas, possuem falta de conhecimento em gestão, o que pode acabar minando o potencial de muitos negócios

“Um curso de aplicação de unha em gel lota, mas um curso para aprender a administrar os ganhos com a manicure fica vazio. Entidades como o Sebrae oferecem mentorias gratuitas e algumas vezes chega a sobrar vagas, não há procura. Se o empresário chegar no Sebrae e perguntar ‘alguém pode me ajudar com mentoria?’, muito provavelmente ele vai conseguir ajuda. E por experiência própria eu sei que quem investe em planejamento e gestão avança mais no caminho do sucesso.” 

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“O racismo existe, os resultados dele são tenebrosos, mas a discussão do afroempreendedorismo precisa ir além disso. É preciso compreender que o que mantém um negócio pequeno não é apenas uma questão de recorte racial, é uma questão de mentalidade empresarial. Entender que um negócio começa pequeno mas não precisa permanecer pequeno. Aprender o caminho que as empresas multimilionárias traçaram para sair dos seus quartinhos minúsculos e se tornarem empreendimentos globais. Isso é fundamental para garantir a ascensão socioeconômica dos afroempreendedores.”

Gecilda Esteves, professora de Economia do Ibmec-RJ (Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais)

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